terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Déa Trancoso – Serendipity (2011)

O primeiro álbum de Déa Trancoso, Tum tum tum, lançado em 2006, era um mergulho nas tradições de uma região, o Vale do Jequitinhonha, de onde ela veio. Uma música que se afirmava e construía sua ligação com o ouvinte a partir de características absolutamente regionais: catimbós, folias de reis, cocos, batucões, acalantos, lundus. Música regional, música brasileira, com toda a largueza de dimensões que isto acarreta.

O segundo álbum chama-se Serendipity, neologismo inglês com o significado aproximado do título deste artigo, o que já é a indicação de uma mudança. E os avisos e diferenças se sucedem: logo na abertura, Déa canta: Eu mudei, até a voz eu mudei. A canção seguinte é um blues, nada mais, nada menos. E, contraste dos contrastes, o álbum seguinte a um chamado Tum tum tum não tem percussão. Nem uma sequer. Ao contrário, à primeira escuta, soa como um álbum voz e violão.

(A propósito, o álbum pode ser ouvido online aqui: http://deatrancoso.tnb.art.br/.
Recomendo ler o artigo com as referências da música, fica muito mais interessante.)

Então possivelmente o leitor espera a frase de alívio: mas as diferenças param por aí. Mas a maior diferença ainda não foi dita, e é a fundamental: Onde Tum tum tum era um álbum de pesquisa (mas também vivência, e muito), Serendipity é autoral. E a partir deste dado é que é possível, por assim dizer, reconstruir a sua escuta, sob novas expectativas.

Serendipity é Tum tum tum em movimento ora centrípeto, ora centrífugo. Déa, que antes cantava o lugar em volta de si, agora canta o lugar dentro de si. Tudo é profundamente pessoal, a delicadeza que já transparecia (a percussão de tum tum tum era sempre delicada, mesmo sem perder a força) agora é explícita na escolha do repertório, quase que apenas de cordas dedilhadas – violões, viola, banjo, sitar, ukulele, guitarra.

E então, a partir da escolha da sonoridade instrumental dentro das sutilezas das cordas dedilhadas, vindas de diversas tradições, transparece um estado de alma – mas também um sotaque, que agora não é mais apenas do Vale do Jequitinhonha, mas pode ser de qualquer lugar.

E então é possível entender a presença não só de um blues no repertório – caso de Minha voz, mas também de uma espécie de ragga-repente como a canção O corpo, em que numa temática absolutamente pessoal, se harmonizam tradições musicais e sonoridades díspares, com um resultado quase impressionista.

Então, Serendipity, abrindo os braços para o mundo, o faz de forma totalmente intimista. Egberto Gismonti disse a Déa que Serendipity aparenta depoimento da alma.

Me faz um bem danado saber que você segue expondo sua decisão e vontade; me faz feliz sentir nas músicas a sua voz casada com a MÚSICA que te achou e adotou. Antes você “adotava ELA”, como fez no TUM TUM TUM, no Violeiro e a Cantora, e outros. ELA te achou; agora é você a responsável em GUARDÁ-LA bonita como ela se deu a você. 
* por Túlio Villaça

Preço – R$30,00

Faixas
01 – Água Serenada – Déa Trancoso
02 – Minha Voz - Déa Trancoso
03 – Bem - Déa Trancoso
04 – Oferenda - Déa Trancoso
05 – Pra Tavinho - Déa Trancoso
06 – Bordado – Chico César e Déa Trancoso
07 – Meu Colo, tua Casa – Badi Assad e Déa Trancoso
08 – Obikawa - Déa Trancoso
09 – Gismontiana 2 - Déa Trancoso
10 – Corpo - Déa Trancoso
11 – Castiça - Déa Trancoso
12 – Rapsani - Déa Trancoso
13 – Sansara - Déa Trancoso
14 – Serendipity – Rogério Delayon e Déa Trancoso

2 comentários:

  1. Obrigado pela replicação do texto - é sinal de que se agradou... Longa vida ao blog e viva a música de Minas! Abração.

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  2. adorei o texto tulio, foi o melhor que achei para colocar no meu blog.
    aquele abraço e obrigado.

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