quinta-feira, 8 de maio de 2014

Derivasons (2014)

Há diversos desafios que se apresentam aos jovens compositores brasileiros ligados ao contexto da música contemporânea de concerto. Logo de início, observa-se uma enorme desarticulação das instituições envolvidas com a produção artística e montagem de eventos. Isso está diretamente relacionado ao modus operandi das agências de financiamento. Devido à inviabilidade comercial desse tipo de música no que diz respeito a uma relação direta com o consumidor, torna-se imprescindível a presença de algum tipo de mecenato.

Entretanto, o perfil atual dos mecanismos de subvenção é perverso pois, ao mesmo tempo em que se apoia em uma hipotética neutralidade na concorrência de todos os tipos de propostas vindo dos mais diversos segmentos sociais, finge ignorar o massivo retorno publicitário das produções mais populares às empresas financiadoras. Essas são algumas das razões que obrigam a música
contemporânea de concerto a se refugiar dentro dos muros da universidade pública. Mas os espaços externos precisam ser atingidos. No começo do século XX, Adorno já havia nos advertido sobre os paradoxos vividos pela música mais radical: por um lado, sua expressividade alimentava-se da recusa em ceder espaços a uma escuta domesticada; por outro, o isolamento criado em consequência dessa escolha implicava em um afastamento prolongado de um público mais diversificado.

Com o tempo, as próprias motivações sociais dessa forma de arte ficam enfraquecidas. Por isso, torna-se muito importante construir um espaço de diálogo com o público em um território aberto, desprotegido. E o próprio sentido do trabalho se enriquece com o embate das propostas e respostas heterogêneas. Ultrapassa-se, desse modo, um discurso estético demasiadamente arbitrário e autossuficiente.

Outro desafio enfrentado pelos jovens compositores diz respeito a como se situar diante de duas grandes ideologias herdadas do modernismo do século XX. A primeira é iconoclasta e, como uma esfinge, devora todas as propostas que apresentem traços tradicionais, ou que revelem suas influências de um modo claro e explícito: é a exigência do utópico "novo". O risco aqui é de um
primitivismo autoindulgente e sem espessura expressiva, justamente porque despreza-se a história. A segunda, ao contrário, exige uma filiação devidamente documentada de alguma linhagem considerada "nobre" na história da música contemporânea. Nesse sentido, torna-se fundamental deixar nas partituras vestígios rastreáveis de procedimentos técnicos reconhecidos, como séries, espectros, permutações, aleatoriedade, etc.

O grande perigo aqui reside em uma cademismo sem expressividade. É sempre difícil encontrar um caminhointeressante entre essas duas forças contraditórias e hostis. Acredito que ele passa, necessariamente, pelo cultivo de algumas fantasias peculiares a cada artista. É preciso resistir àquelas pressões genéricas e impessoais com escolhas singulares e deixar surgir, aos poucos, uma paisagem musical que adquire sua consistência justamente no enlaçar das forças objetivas dos materiais sonoros
com as ressonâncias afetivas que eles despertam em cada criador, de um modo pessoal e ao mesmo tempo dinâmico.

Diante desse contexto, a formação de um grupo de jovens compositores, recém egressos da graduação em composição musical (UFMG), ao redor de uma proposta coletiva - atuar nos campos de criação, performance e produção musical - revela-se muito importante e especial. O Derivasons já existe há algum tempo, com apresentações em diversas oportunidades e contextos, mas lança
agora seu primeiro CD. Para a gravação foram convidados diversos intérpretes, de modo que podemos dizer que, neste CD, o Derivasons apresenta seus compositores.

O primeiro aspecto que me chama a atenção é a diversidade de estilos e propostas. Há homenagens ao cinema - Mario Peixoto e Fellini - e aos quadrinhos - Watchmaker; há solos, peças para conjunto de câmara e verifica-se mesmo a presença da eletroacústica; transita-se do modal ao ruído, passando
pelos afetos mais diversos. Essa multiplicidade reforça a percepção de que não se trata de uma reunião ao redor de uma estética, mas sim de uma práxis. Trata-se de reunir forças para enfrentar os inúmeros obstáculos e buscar o florescimento do potencial criativo de cada um de seus membros.

Este CD é um momento especial: que o Derivasons prossiga seu trabalho com novas produções e consiga multiplicar os projetos musicais de seus compositores. Nesses dias de marasmo cultural, onde o sucesso popular constrói-se sobre propostas tão assustadoramente limitadas, precisamos cada
vez mais de uma música especulativa e fantasiosa, que estimule nossa imaginação e nos ajude a sonhar.

R$20,00

Faixas
01 – Para Mario Peixoto / Para Fellini – Marcos Sarieddine
03 – Watchmaker – Renan Fontes
04 – Jurema N0 1 – Luis Friche
05 – À sós – Marcos Braccini
06 – Ser Ruido – Thais Montanari

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